terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Outra ficha que me caiu ao ler as quatro MSP em sequência é que elas formam dois pares complementares. Mas antes de mostrar os pares, eu preciso falar do Tolkien.

Eu sempre digo que toda arte é derivativa, e isso vem muito de ler o Campbell (com o Herói de Mil Faces) e o Propp (com a Morfologia do Conto Maravilhoso). Mas enquanto o Campbell e o Propp dissecaram as histórias usando formalismo acadêmico, o Tolkien fez a mesma coisa usando ficção. Depois de identificar quem eram os elementos mais básicos da literatura épica, ele fez uma série de histórias que poderiam ter sido a origem desses elementos. 

A idéia dele era que o Silmarillion e os derivados eram a mitologia original, e o que veio depois são cópias romantizadas. Por exemplo, a história de Luthien e Carcharoth, depois de ser contada e recontada inúmeras vezes ao longo dos séculos, acabou virando Chapeuzinho e o Lobo Mau. A queda de Númenor virou a queda de Atlantis, os sete anões que ganharam anéis de Morgoth viraram os sete anões da Branca de Neve, e assim por diante. Ele escrevia como se estivesse contando a história real por trás dos contos; ou ainda os contos como eles eram, sem um filtro de ficção que foi adicionado depois.

Pegando essa idéia de filtro de ficção, eu consigo notar que as quatro MSP tem só duas histórias, mas com o ajuste do filtro de ficção ligados em sentidos opostos.

Para o Astronauta e o Chico Bento, a história comum é "viagem ao espaço". No Astronauta, você está vendo a história antes do filtro de ficção, por isso é uma história científica e realista. O Chico Bento é a história depois do filtro de ficção, onde aparecem os elementos fantásticos como robô gigante e transplante de cérebro.

No Laços e Ingá é ainda mais forte. A história comum é a "busca pelo amigo perdido", mas na Turma da Mônica o filtro de ficção foi completamente desligado, e no Piteco ele foi colocado na máxima potência. Nas histórias tradicionais da Mônica, ela é a garota mais forte do mundo. Mas quando você desliga o filtro, percebe que ela é só uma menina mais forte que a média, mas como a história é contada do ponto do vista do Cebolinha, ele conta como se ela fosse a mais forte do mundo. No Laços você vê isso de perto, ela desce porrada nos meninos, mas quando é para lidar com um adulto ela foge como os outros. Os planos infalíveis ficam claros também, na cabeça do Cebolinha prender um vilão com um barbante vai imobilizá-lo para sempre, mas fora do filtro de ficção o adulto arrebenta o barbante com facilidade. E talvez mais chocante, quando o Cebolinha encontra o mendigo no parque, ele vê estupefato como é a vida fora do filtro de ficção (dentro do filtro de ficção do mendigo, ele tem um item mágico, mas fora dele o item é só uma frigideira). A parte bacana é que quando você desliga o filtro de ficção, a história que é atemporal passa a se localizar num ponto específico do tempo, os anos 80.

Essa abordagem contrasta demais com o Piteco. No gibi original os elementos são reais, só estão em um tempo imaginário (tanto o homem da caverna quanto o dinossauro realmente existiram, mas nunca ao mesmo tempo). No Ingá, os próprios elementos são imaginários, então além dos dinossauros você tem seres de outro mundo, profecias e magia.

E a parte bacana é que provavelmente nenhum dos autores pensou nisso conscientemente 

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